Momento complexo requer planejamento detalhado – Valor , 31 de agosto de 2020

Investidores precisam avaliar melhor sua tolerância ao risco
Por Luciana Del Caro — Para o Valor, de São Paulo

A complexidade do atual momento político e econômico, que conjuga juros baixos e muita incerteza, requer que os investidores se planejem melhor, informem-se dos riscos e oportunidades e reflitam sobre sua real tolerância a possíveis perdas. A percepção sobre os rumos da economia – especialmente sobre as condições fiscais do país – piorou ao longo das duas últimas semanas.


“No atual cenário, é interessante que, antes de aplicar, os investidores avaliem a tolerância a risco e o horizonte do investimento. É necessário fazer um estudo detalhado, em vez de trocar de investimento a cada seis meses, correndo o risco de resgatar os recursos num mau momento e de não aproveitar uma retomada do mercado”, diz José Tovar, CEO da Truxt Investimentos.

A tarefa requer dedicação adicional porque a necessidade de diversificar vem justamente num momento de grande volatilidade e riscos difíceis de serem mensurados: “Ainda é difícil atribuir probabilidades aos diferentes cenários”, diz Aquiles Mosca, responsável pela área comercial do BNP Paribas Asset Management.

A incerteza mais evidente é sobre o ritmo de retomada da atividade, num ano em que se projeta queda de 5,5% do Produto Interno Bruto (PIB). A maioria dos profissionais espera uma lenta recuperação. “Acreditamos que a economia vai voltar a crescer em 2021, mas que só em 2022 vai retomar aos patamares de antes da crise”, diz Fabiano Godoi, sócio da Kairós Capital. Embora num primeiro momento de reabertura haja uma retomada forte, depois o ritmo deve arrefecer: “Ainda há o temor de que muitas pequenas e
médias empresas não aguentem e peçam recuperação judicial ou caminhem para a falência”. E, em consequência, o desemprego aumentaria, abalando o consumo e batendo nos resultados das empresas.

Existe a possibilidade de uma segunda onda da pandemia nos países desenvolvidos. Gustavo Pessoa, sócio da Legacy Capital, considera que, mesmo que haja nova leva de casos, a taxa de letalidade será menor porque o conhecimento sobre a doença está avançando. Ele pondera que os estímulos fiscais e monetários sem precedentes devem sustentar a atividade econômica, e trabalha com um cenário de recuperação brusca no início, mas com perda de velocidade ao longo do tempo.

Há também incerteza sobre a transição da economia quando o auxílio emergencial de R$ 600 dado pelo governo acabar ou for reduzido. O principal risco no horizonte é o fiscal, consideram os gestores. “É necessário, antes de tudo, recuperar o lado fiscal”, afirma Tovar. Com despesas imprevistas trazidas pela pandemia, o déficit e a dívida pública, que já eram altos, subiram ainda mais.

A preocupação é com a solvência dessa dívida – e, embora todos reconheçam que a situação trazida pela pandemia foi atípica, consideram que é necessário fazer as reformas tributária e administrativa, colocar em marcha o programa de privatizações e, muito importante, manter o teto de gastos. “Nosso cenário base é de que o governo consiga encaminhar as reformas e mantenha o teto de gastos. Seria muito negativo se o teto fosse flexibilizado. A curva de juros se inclinaria e o custo de capital subiria”, afirma Marcelo Mello, vice-presidente da SulAmérica.

Profissionais consideram que todas as reformas precisam ser encaminhadas em apenas um ano, já que no segundo semestre de
2021 as atenções começam a se voltar para o processo eleitoral. Com a crise política e o pendor populista do governo, a preocupação é que este não consiga ou não queira promover os ajustes necessários – o que poderia levar a novas desvalorizações do real, inflação e elevação dos juros, alterando o cenário considerado mais provável no momento (juros baixos), que beneficia os ativos de risco.

Outro risco importante é o das eleições americanas, afirma Marcos De Callis, estrategista da Hieron. Para ele, há o risco de Donald Trump judicializar o resultado caso perca por uma margem pequena. Um novo governo poderá rever as políticas de redução dos impostos que impulsionaram as bolsas, além de combater a concentração de mercado das cinco maiores empresas de tecnologia, que representam 20% do S&P 500. “O mercado não está precificando isso porque não quer se preocupar antes da hora, mas são fatores que podem arrastar a bolsa para baixo.”

O alto grau de incerteza e a falta de entusiasmo com a economia real não significam, porém, que os ativos de risco não possam se valorizar – e o descolamento entre a bolsa e o PIB pode se manter por algum tempo, dada a elevada liquidez e o fluxo para os ativos de risco. O Ibovespa subiu 58% desde o piso deste ano (cotação de fechamento em 23 de março) até o último dia 26. Porém, essa recuperação ainda não reverteu a baixa no ano – 12,9% até o dia 26. Vale notar a elevada volatilidade nos últimos 12 meses: os fundos de renda fixa, apesar da baixa dos juros, ainda rendem mais, no acumulado, que os fundos de ações no período.

Outro fator que impulsionou a bolsa recentemente está relacionado às características do nosso mercado: “A bolsa não reflete o PIB, já que as ações listadas são de grandes empresas, menos afetadas pela crise e que inclusive aumentaram suas participações de mercado no período”, diz Alexandre Silverio, CIO da AZ Quest. Com acesso ao capital, essas companhias estão mais fortes para abocanhar as fatias das pequenas e médias, que enfrentaram dificuldades para conseguir crédito durante a pandemia. “Uma das consequências dessa crise é a concentração de mercado. Em apenas quatro meses, muitas companhias avançaram o equivalente a
vários anos”. Embora a bolsa possa parecer cara, Silverio considera que a capacidade de gerar retorno no longo prazo é que importa.