Selic deve chegar a dois dígitos em 2022– Valor, 26 de outubro de 2021

Selic deve chegar a dois dígitos em 2022 | Finanças | Valor Econômico (globo.com)

Com deterioração fiscal, analistas veem taxa acima de 10%
Por Felipe Saturnino, Anaïs Fernandes e Victor Rezende — De São Paulo

O entendimento de que há uma mudança no regime fiscal e a forte deterioração das expectativas de inflação que teve início na semana passada devem levar o Banco Central não só a acelerar o passo do aperto monetário, como também a levar o juro básico a um nível maior no fim do ciclo de alta.

As projeções já tinham subido bem desde a última pesquisa do Valor, de 24 de setembro, quando a mediana das estimativas de 75 instituições financeiras e consultorias apontava para a Selic em 8,75% no fim do ciclo. Mas, até a semana passada, ainda eram poucas as casas que trabalhavam com um número de dois dígitos. Agora, a mediana de 89 analistas consultados ontem aponta para uma taxa de 10,5% no fim do ciclo.

Cerca de 74% das instituições e consultorias apostam que a Selic deve chegar a pelo menos 10% e, embora a faixa de 10,5% concentre, sozinha, mais projeções (22,5%), quase 27% das casas esperam que o juro básico chegue a pelo menos 11% em 2022.

Os economistas demonstram preocupação com a mudança na mediana das previsões do Boletim Focus para o IPCA de 2022 – horizonte predominante da política monetária atual -, que passou de 4,18% na semana anterior para 4,40% agora. A “violenta desancoragem” deve “machucar um bocado o modelo do BC, junto com o câmbio mais depreciado”, afirma Arthur Carvalho, economista-chefe da Truxt Investimentos.

“O movimento visto nas projeções do Focus foi o primeiro na direção de desancoragem das expectativas de inflação”, diz Paulo Val, economista-chefe da Occam. A gestora trabalha com uma Selic de 11,25% no fim do ciclo, a ser atingida no primeiro trimestre de 2022.

Aguardar até a reunião de dezembro do Comitê de Política Monetária (Copom) para ajustar a dose de alta para 1,5 ponto percentual “seria esperar demais”, avalia Val. Ele espera duas elevações dessa magnitude neste ano.

“Consequentemente, [o Copom] também tem que buscar um nível final de juro maior para se contrapor à deterioração dessas expectativas e aos efeitos do câmbio. Isso seria uma mensagem incisiva e inequívoca de que ele [BC] irá perseguir a meta e fazer o que for necessário, como sua comunicação tem deixado bastante claro”, diz Val. Para a Occam, o IPCA atingirá 4,6% em 2022, perto do teto da meta (5%).

Diante do novo pano de fundo fiscal, o UBS BB aumentou, na semana passada, a projeção de Selic ao fim do ciclo de 9,25% para 10,25%, em uma trajetória que considera dois apertos de 1,5 ponto e uma alta de 1 ponto no primeiro Copom de 2022. “Flexibilizar o teto, que é uma maneira delicada de dizer que o teto será furado um pouco, incorre em mais custos para a política monetária”, diz o economista-chefe, Alexandre de Ázara.

Para ele, o risco, caso o BC não reaja no atual cenário, é o país entrar em dominância fiscal, isto é, quando a alta de juros se torna contraproducente para combater a inflação. “Acho que a gente está longe disso, mas quando a política fiscal tira o pé, ela deixa mais trabalho para a política monetária.”

Na visão de Paula Magalhães, economista-chefe da A.C. Pastore & Associados, do ex-presidente do BC Affonso Celso Pastore, se a autoridade monetária deixar claro que fará “o que for preciso” para colocar a inflação na meta, e não só nas ações, mas também no seu comunicado, o país pode escapar da dominância fiscal. “Vimos um salto muito forte no Focus. O BC não pode olhar para isso e fingir que não aconteceu nada”, diz a economista.

Segundo Magalhães, a consultoria já via sinais de um início de desancoragem das expectativas porque a média das projeções para o IPCA em 2023 do Focus rodava acima da mediana e, assim, projetava Selic a 9,5% no início de 2022.

“Mas teve esse choque na semana passada, em que ficou muito claro que nossa âncora fiscal não existe mais. Neste caso, mudamos a visão e o BC vai ter de agir mais rápido, com duas altas de 150 pontos-base [1,5 ponto], deixando em aberto o que vai fazer no ano que vem, para verificar o que vai acontecer daqui até lá”, afirma. Para ela, fugir de uma Selic de dois dígitos parece improvável.

Caso se concretize a dose mais agressiva de ajuste, de 1,50 ponto, em meio a um nível de incerteza tão elevado, o Copom deverá deixar os próximos passos em aberto e optar por manter os graus de liberdade, observa Carvalho, da Truxt. A gestora espera duas elevações de 1,50 ponto na taxa, com a Selic em 11% no fim do ciclo.

Val, da Occam, diz que o BC pode até parar em 11,25% para observar, mas o risco permanece assimétrico para que o Copom tenha de continuar apertando ainda mais a política monetária.