Volatilidade recente não abala animação de gestora com a bolsa brasileira– Valor Investe, 16 de junho de 2020

Com três anos completos em junho deste ano e cerca de R$ 13 bilhões sob gestão, a gestora de investimento Truxt, criada pelos ex-ARX José Tovar e Bruno Garcia, não tem muito do que reclamar sobre a crise recente.


Apesar dos solavancos que o coronavírus causou na economia e no mercado financeiro, a empresa conseguiu chegar em seu terceiro aniversário com quatro de seus cinco fundos no azul no acumulado de 2020 e um bom histórico de rentabilidade desde o início dos produtos. Em entrevista ao Valor Investe, o presidente, José Tovar, mostra animação com a recuperação do mercado brasileiro, mas não deixa de pontuar que vamos ter que conviver com volatilidade e incerteza ainda por um tempo, e lidar com o risco fiscal no Brasil. Ele também explica como a equipe de gestão da Truxt atuou desde o início da pandemia para se adaptar ao novo cenário.

“Estamos animados com a bolsa, é um momento de recuperação da economia e reaberturas dos mercados lá fora. É claro que ainda há um risco de segunda onda de contaminação da covid-19 que pode se refletir no Brasil”, comenta Tovar, que antes da Truxt fundou outra gestora, a ARX, vendida ao BNY Mellon em 2008.


Ele fala que a turbulência vista no mercado internacional na semana passada – especialmente na quinta-feira (11), quando a bolsa brasileira estava fechada pelo feriado – é reflexo da incerteza que nos persegue e continuará perseguindo no curto prazo.

“Esse movimento de quinta mostra com o mercado está sensível. Ele subiu muito e movido pelo excesso de liquidez que os bancos centrais proveram, mas está sensível a novas notícias. Tem quem questione também se as bolsas já não subiram muito para a 1/6 situação das economias, o que reforça movimentos agudos como vimos. Para mim, não fez sentido o tamanho do movimento”, diz ao Valor Investe o executivo que tem mais de 20 anos de experiência em gestão de recursos.

O EWZ, principal ETF brasileiro negociado em Nova York, fechou em queda de 7,84%, aos US$ 29,29. O Brazil Titans 20, índice de ADRs (sigla para American Depositary Receipts) e que reúne os principais ativos brasileiros negociados nos EUA, recuou 8,71%, seguindo a queda de cerca de 6% nos principais índices americanos.

“A volatilidade deve continuar porque estamos em um ambiente de muita incerteza, juro baixo e liquidez alta. Isso leva claramente a um aumento do preço dos ativos e risco de formação de bolhas. Mas continuamos com uma visão construtiva, de que, com o juro baixo e o cenário internacional melhorando o fluxo para a bolsa deve continuar”, afirma.

Ele ressalva que o principal risco no mercado global é a segunda onda de
contaminação e o impacto econômico que isso pode ter. Há questionamentos em estados americanos se não é o caso, por exemplo, de fechar de novo o comércio e reforçar o isolamento. O pior do coronavírus, diz, parece ter passado, “mas o céu não está tão azul assim”.


Apesar de a projeção da casa ser de uma queda em torno de 7% a 8% do PIB (Produto Interno Bruto) este ano, o otimismo de Tovar se agarra em alguns fatores para manter a perspectiva positiva, entre eles a melhora recente da percepção de risco global e do Brasil, medida pelo título CDS (contrato de swap de default de crédito), e a capacidade de gestão à frente das empresas negociadas na bolsa de valores.

Risco
No dia 8 de junho, antes do susto do feriado de Corpus Christi, o CDS de cinco anos do Brasil bateu o menor patamar desde meados e março, valendo US$ 202.670. Foi uma melhora considerável desde o ápice, em 19 de março (US$ 376.530). Na semana passada, voltou a subir – US$ 270.690 –, com a forte volatilidade medida pelo VIX, mas, mesmo assim, está abaixo do pior momento da crise. O CDS mostra o quão arriscado o Brasil está para investidores globais.

O dólar é outro indicador relevante para mostrar o humor do mercado.
Depois de se aproximar dos R$ 6 em maio, a moeda americana fechou o dia 10 de junho cotada a R$ 4,93, mas voltou a se valorizar no fim da semana passada, fechando a sexta em alta de mais de 2%, ao preço de R$ 5,04.

Para Tovar, o sacolejo é natural, já que vivemos uma crise sem precedentes, mas ele acredita que à medida que a pandemia for ficando para trás, ao longo dos próximos meses, vamos ver animação maior dos mercados.

“Temos um grupo de empresas que gostamos muito e aproveitamos as pancadas do mercado para concentrar mais a carteira dos fundos nessas companhias”, comenta.

O risco mesmo, segundo ele, vem do lado fiscal. O banco central brasileiro, assim como as autoridades monetárias do mundo inteiro, fez um estímulo fiscal gigantesco, “inacreditavelmente grande”, nas palavras do executivo, para salvar a vida econômica 3/6 das pessoas e empresas e prover liquidez aos mercados. A bolsa, formada de empresas, recebe de alguma forma os benefícios dessa liquidez.

Mas a conta de tamanha injeção de dinheiro no mercado uma hora virá. O maior problema, na opinião de Tovar, é que se não for colocado um freio nos gastos com a pandemia – que devem ser pontuais e não duradouros – haverá respingos também no mercado financeiro.


Mas, em sua opinião, as autoridades do Banco Central e do Tesouro estão
preocupadas e vigilantes com o assunto. E defende a diminuição do tamanho do Estado na economia, com a aprovação das reformas tributária e administrativa, e a abertura da economia para o investimento privado.

Ele emenda que, a despeito das decisões de Brasília, a “beleza” dos fundos de investimento é que eles se adaptam rapidamente às mudanças de cenário. E a Truxt não poderia comemorar seu terceiro aniversário em melhor forma: com os fundos no azul. Não que ela não tenha sofrido na crise, pelo contrário, um de seus fundos, o de ações Truxt I Valor Institucional chegou a perder 9% em fevereiro e mais 30% em
março. Entenda como a gestora agiu na crise e suas apostas daqui em diante.

Tempestade e calmaria
A Truxt entrou na crise mais preparada “sem querer”. A equipe de análise já estava menos animada com a bolsa de valores brasileira desde o fim do ano passado, quando o Ibovespa flertava com os 120 mil pontos.

Tovar conta que desde meados do ano passado a equipe estava preocupada com dois fatores: a guerra comercial entre Estados Unidos e China que dominou boa parte do noticiário econômico em 2019 e o preço das ações na bolsa brasileira. Os preços dos papéis estavam, em sua análise caros e estava difícil enxergar onde poderiam aplicar para conseguir, lá na frente, vender com uma boa margem. Por isso, decidiram ficar com posições menores e deixar mais dinheiro em caixa.


Seu fundo de ações, o Truxt I Valor FIC FI Ações, que normalmente tem menos de 5% do patrimônio em caixa, chegou a ficar com 30% do dinheiro parado à espera de novas oportunidades. O fundo hoje tem um patrimônio líquido de mais de R$ 2 bilhões.

Quando a bolsa de valores acumulava “circuit breakers” (suspensões nos
negócios por quedas de mais de 10%) os fundos da casa sofreram, mas menos do que poderiam. O de ações perdeu 25,83% em março, mês em que o Ibovespa 4/6 caiu 29,90%, e o multimercado Truxt Long Bias recuou 7,57%. Os fundos Truxt I Macro e o Truxt I Long Short, que haviam recuado em torno de 0,30% em fevereiro, chegaram a ficar positivos em março: 0,76% e 1,07% de rentabilidade, respectivamente.

O dinheiro em caixa serviu não apenas para proteger a carteira contra as fortes oscilações, mas também para pescar boas empresas que ficaram baratas depois da tempestade.


“Fizemos pescaria em lago de peixe bom e barato”, se vangloria o executivo.


“Aproveitamos a oportunidade para voltar a aumentar nossas posições em papéis que gostamos e entrar naqueles que já queríamos, mas estavam caros antes da crise”, completa.

Para os fundos Long Short e Long Bias, aumentaram a exposição em bolsa,
apostando, por exemplo, em empresas ligadas à tecnologia, no exterior e aqui, por acreditarem que a exposição à vendas na internet poderia ser vantajosa para a carteira. Estavam certos.


Em meio à pandemia, papéis como Magazine Luiza e Mercado Livre dispararam. Em 18 de março, a ação do Magazine Luiza atingiu o vale de R$ 21,81; em 10 de junho fechou a R$ 64,60. O papel do Mercado Livre valia R$ 227,85 na B3 em 20 de março e encerrou o pregão de quarta (10/06) ao preço de R$ 455. Ambas as empresas foram pescadas pela Truxt para dentro de seus fundos.

“Nosso primeiro movimento foi em direção a empresas de tecnologia dos Estados Unidos e agora viemos para empresas brasileiras, que se beneficiaram da venda pela internet e da interação com o cliente no meio digital; empresas que se anteciparam a tendência e aceleraram o processo de digitalização com o corona”, explica Tovar.


Outro papel que eles aumentaram posição foi Lojas Renner, que se valorizou 46% desde 23 de março, quando chegou a valer R$ 30 (dia 10/06 fechou a R$ 43,90). A gestora voltou a investir ainda em shoppings centers – no portfólio dos fundos tem BR Malls e Multiplan e continua apostando em Vale (Tovar acredita que a recuperação chinesa e o preço do minério vão impulsionar a companhia) e Equatorial no setor de energia. Lá fora, aplicam em XP e Stone.

Para enfrentar a turbulência, também foram ágeis em proteger a carteira com instrumentos de “hedge”, comprando dólar e ouro. No Long Bias, por exemplo, que aumentaram a posição de bolsa do fundo, para garantir que não seriam pegos de 5/6 calças curtas chegaram a ficar com 45% do patrimônio em dólar e ouro como proteção contra oscilação.

“O Long Bias foi o melhor produto nosso na crise. Isso porque fomos bastante ágeis para nos adaptar às novas informações do mercado, em trocar a carteira e colocar os ‘hedges’ em uma posição grande. Agora já reduzimos os ‘hedges’, mais animados com o momento”, conta o gestor.

No ano, o fundo Long Bias acumula alta de 16,61% até 9 de junho, enquanto o Valor (de ações) já recuperou todas as perdas e sobe 1,10% desde 1º de janeiro. O Long Short, que rende no ano 7,13%, reabriu no meio da crise depois de três anos fechado para aproveitar as oportunidades do mercado captou a meta de R$ 100 milhões em apenas quatro dias e já fechou novamente.

O fundo multimercado Macro, cuja estratégia é mais de longo prazo e mais
conservadora, passou os meses da crise sem grandes reviravoltas e no ano acumula 0,94% de rentabilidade. O único que ainda amarga perdas no ano é o Truxt I Valor Institucional FIC FIA, que está com 10% de queda até 9 de junho.