‘Copom terá de levar juros para o nível neutro’ – Valor, 18 de março de 2021

‘Copom terá de levar juros para o nível neutro’ | Finanças | Valor Econômico (globo.com)

Para Arthur Carvalho, da Truxt, decisão do Copom de levar Selic a 2,75% foi “apropriada”
Por Victor Rezende — De São Paulo

Foi apropriada a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central de elevar a taxa básica de juros
em 0,75 ponto percentual, para 2,75% ao ano, e já indicar um novo aumento de mesma magnitude em maio. É o que avalia, em entrevista ao Valor, o economista-chefe da Truxt Investimentos, Arthur Carvalho, para quem,
contudo, o cenário continua bastante desafiador, especialmente em relação à inflação. Além de trabalhar com o IPCA em 4,9% no fim deste ano, a gestora carioca projeta a inflação em 4,0% em 2022, nível que já supera o centro da meta.

Não por acaso, Carvalho aponta para a possibilidade de as expectativas de inflação de 2022 começarem a se afastar do nível de 3,5%. Uma desancoragem “muito séria”, na avaliação do economista, poderia ser considerada uma mudança significativa no cenário básico do Copom, já que o colegiado enfatiza, no documento, que sua estratégia de normalizar parcialmente a política monetária é compatível com o cumprimento da meta no ano que vem.

“O que a PEC fez foi permitir o cumprimento do teto juridicamente, mas, de fato, ele está sendo rompido”

O economista da Truxt, porém, diz ter achado “meio confuso” o ajuste parcial explicitado pelo Copom no documento. “Dá a entender que eles tentarão deixar a política monetária ainda em nível estimulativo. Acredito que o Copom vai se surpreender e terá de levar os juros para o nível neutro ou, até mesmo, para um campo levemente contracionista”, afirma.

Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista:
Valor: Foi acertado já começar o ciclo com uma alta de 0,75 ponto?

Arthur Carvalho: Foi apropriado. Apesar de eu ter achado que o BC não entregaria um movimento mais agressivo que 0,50 ponto, foi uma decisão acertada. Vejo como algo positivo. O Copom deixou bem claro que, a não ser que algo aconteça até a próxima reunião, haverá um outro aumento de 0,75 ponto e isso é importante até mesmo para evitar que o mercado ache que ele terá de acelerar o passo. O Copom está tentando ancorar as expectativas do mercado.

Valor: No comunicado, o Copom enfatiza que se trata de um ajuste parcial da política monetária

Carvalho: Achei isso meio confuso porque dá a entender que eles tentarão deixar a política monetária ainda em nível estimulativo. Acredito que o Copom vai se surpreender e terá de levar os juros para o nível neutro ou, até mesmo, para um campo levemente contracionista. Nessa parte, acredito que eles estão com um cenário base que precisará ser corrigido na medida em que o cenário de inflação pior no ano que vem for se materializando, assim como um ambiente fiscal também pior. O Copom vai ter que fazer algo maior do que aquilo que está prevendo hoje. Antes da reunião, já tínhamos um cenário mais agressivo do que o consenso e projetávamos a Selic em 5,50% no fim do ano. Talvez, agora, possa chegar a 6%, mas seria um ajuste fino em relação ao nosso cenário base.

Valor: O Copom aponta para mais uma alta de 0,75 ponto em maio caso não haja uma mudança significativa no cenário. O que poderia causar isso?

Carvalho: Uma desancoragem muito séria das expectativas de inflação de 2022, por exemplo. Se o consenso do Focus migrar para 4%, por exemplo, isso pode ser considerado significativo pelo Copom. Eles chamam a atenção, no comunicado, para o fato de que, apesar dos choques, as expectativas de 2022 estão ancoradas. Seria uma mudança significativa se isso se perder. Uma alteração mais profunda no arcabouço fiscal também seria algo significativo, mas não acho tão provável assim nos próximos 45 dias.

Valor: As expectativas de inflação de 2022, que estão em 3,5%, podem começar a desancorar?

Carvalho: Esperamos inflação de 4,9% neste ano e de 4,0% em 2022. Como muitos preços não subiram este ano, isso pode acabar pressionando a inflação em 2022. Além disso, tem o fator da inércia. Existe, sim, uma possibilidade razoável de as expectativas de inflação de 2022 começarem a sair de 3,5%. Elas podem começar a desancorar. A mediana das projeções no Focus ainda está em 3,5%, mas a média já começou a subir e isso indica que os economistas já têm começado a mudar seus números.

Valor: O risco fiscal se mantém elevado mesmo após a aprovação da PEC emergencial?

Carvalho: O BC dizia claramente que, em seu cenário básico, o teto de gastos deveria ser cumprido de fato. O que a PEC fez foi permitir o cumprimento do teto juridicamente, mas, de fato, ele está sendo rompido. O gasto está
crescendo acima do estimado anteriormente para o teto. Independentemente de coisas positivas que estão no projeto, para o BC, da maneira como ele caracterizou, houve uma mudança para pior. O fiscal ficou mais frouxo. Além disso, não tenho certeza de que o BC tem a clareza de que o furo no teto pode não se limitar a R$ 44 bilhões. Se chegarmos a junho com uma situação ainda bastante delicada na pandemia e com o mercado de trabalho fragilizado, o que é bem possível, pode ser que se declare um estado de calamidade e se estenda o auxílio emergencial além de junho. Eu não acho que a incerteza em torno da questão fiscal foi reduzida por causa da PEC. E isso está ligado às condições do mercado de trabalho como um todo. Dificilmente alguém consegue dizer que em
junho não teremos mais necessidade de fazer nada. É só lembrar que, em dezembro, tanto o governo quanto o próprio BC diziam que o cenário base era não ter mais nada de auxílio neste ano. O grau de incerteza é parecido.

Valor: O Copom voltou a dar ênfase à incerteza sobre o ritmo de crescimento. O que é possível esperar para a atividade com o recrudescimento da pandemia?

Carvalho: Já tínhamos um número negativo no primeiro trimestre e o nosso medo é de que, com a implementação dos novos lockdowns agora em março, tenhamos um mês de abril mais fraco. O balanço de riscos para o
crescimento no segundo trimestre está bastante negativo. O processo de vacinação também é chave e faz diferença nos números devido ao impacto na mobilidade. Quanto mais lenta for a vacinação, pior será a nossa hipótese para a mobilidade e, como consequência, para o resultado do crescimento, principalmente no setor de serviços. No momento, projetamos uma queda de 0,2% do PIB no primeiro trimestre, seguida de uma contração de 0,8% no segundo trimestre. Para o ano, temos um PIB de 3,3%. Um fator, contudo, me deixa apreensivo neste momento. Lá no primeiro colapso de mobilidade, tivemos uma queda forte dos serviços, mas, depois de 30 dias, a indústria e o varejo começaram a ir bem. Dessa vez, como existem gargalos que foram formados ao longo dos últimos 12 meses,
é possível que o retorno da renda, com a volta do auxílio emergencial, redirecione o consumo para o mercado de bens, que deve ter uma oferta mais restrita.

Valor: Faz sentido a normalização monetária ter início com a atividade ainda enfraquecida?


Carvalho: A inflação deve continuar pressionada mesmo em um cenário de atividade fraca. Não vamos mais ter aquele espaço de desinflação que a pandemia abriu no ano passado. E, por isso, o BC vai ter de manter uma postura vigilante. Lá atrás, o BC olhou para a pandemia e conseguiu enxergar que ela era desinflacionária no primeiro momento. Isso permitiu a ele ter uma postura de acomodar os choques com uma política monetária expansionista. Neste momento, não dá para ter a mesma postura. O BC foi obrigado a começar um processo de normalização da política monetária. Já há um processo inflacionário em curso e, possivelmente, a segunda rodada de lockdowns pode ser mais inflacionária por causa desses gargalos na economia.

Valor: Já o Fed não parece preocupado com a inflação nos EUA…


Carvalho: O discurso de ontem foi bem claro de que eles precisam ver a inflação marginalmente acima da meta por um período para entender que os objetivos foram atingidos. Ainda não estamos vendo isso. É interessante olhar para a modelagem do Fed e ver que o núcleo de inflação roda em 2%, 2,1%, mesmo após um anúncio fiscal incrivelmente poderoso. Isso mostra que o Fed está ainda bastante paciente. O juro longo nos EUA pode continuar subindo, já que estava em nível muto baixo, mas a questão é a velocidade. Até mais importante é avaliar o juro real. Se a abertura dos juros for devagar e se o juro real não subir muito, isso não vai incomodar os emergentes.