Bolsa segue no mapa do investidor – Valor 31 de janeiro de 2020
Migração de investidor dá suporte para ações, mas há riscos e vai balançar
Por Adriana Cotias — De São Paulo
31/01/2020
Ainda que seja cedo para prever se o coronavírus se tornará uma epidemia que vá abalar o crescimento global, os gestores de recursos mantêm um viés benigno para os ativos de risco. No pêndulo a favor está a primeira fase do acordo comercial entre China e Estados Unidos e, do lado mais técnico, outro ano de farta liquidez e baixas taxas de juros nos países desenvolvidos. No caso brasileiro, o retorno do crescimento é considerado um fator de atração de investimentos – diretos ou de portfólios.
A Selic na mínima histórica, em 4,5% ao ano, vai continuar motivando o investidor a repensar sua carteira, saindo da renda fixa tradicional e testando outras águas, como crédito privado, fundos imobiliários e ações. A bolsa ainda aparece entre as alocações preferidas dos gestores, muito pela avaliação de que haverá fluxo certo de recursos, já que, da pessoa física ao investidor institucional, é baixa a proporção de renda variável nos portfólios. A dúvida é se o estrangeiro potencializará esse movimento.
Fundos de ações já atraíram R$ 17,4 bi neste ano, e gestores
têm que alocar os recursos novos
No primeiro mês do ano, o Ibovespa recuou 0,10%, até ontem, diante do temor de que um vírus letal se espalhe e tire potência do crescimento global. Mas os subíndices resistiram, com o de ações do setor imobiliário subindo 5,5%, o de consumo 4,91%, o ISE, de empresas com boas práticas de governança e responsabilidade social, com alta de 5,5%. O índice de “small caps”, de companhias de menor capitalização na bolsa, avançou 2,17%.
O Ifix, que reúne os fundos imobiliários listados na B3, perdeu 3,80%. Na dianteira ficaram os ativos de proteção, como dólar e euro, com altas de 6,17% e 4,55%, respectivamente, com a liderança para o ouro (7,13%), tradicional porto-seguro quando as tensões aumentam.
Com o CDI e a poupança rendendo nada, o investidor vai continuar comprando ativos de risco como crédito e bolsa, diz José Alberto Tovar, sócio-fundador da Truxt Investimentos. Sob a expectativa que o PIB brasileiro cresça entre 2,2% e 2,5% neste ano, e os juros e a inflação permaneçam baixos, ele diz haver uma situação de razoável conforto para a economia. “O crédito vem se espalhando com mais rapidez, o mercado
imobiliário tem dado sinais de vida, principalmente em São Paulo”, cita. “Mas é lógico que tem riscos.”
Entre os principais pontos de preocupação, ele lista as primárias para a sucessão presidencial americana e, no curtíssimo prazo, o coronavírus, que coincidiu com um momento de alta histórica nos mercados. “A primeira impressão é que a China está tratando o tema com muita seriedade. É de se esperar que seja rapidamente contida e saia da frente”, diz. “Agora, é uma oportunidade de compra? É difícil saber como se posicionar.”
O principal mercado da Truxt, hoje, é a bolsa brasileira, mas o time de gestão decidiu montar uma posição pequena em ouro, em função da queda dos juros futuros externos, sinalizando um movimento de saída de risco (“risk off”). Por ora, o multimercado da casa não tem nada em juros no Brasil. No curto e médio prazo, Tovar não vê a moeda brasileira se valorizando de forma importante, em linha com a tese do ministro Paulo Guedes de que juro baixo e o real fraco são o novo normal.
Com o programa de reformas perdendo velocidade, Tovar não vê o estrangeiro voltando para a bolsa, mas acha que ele será atraído pelas concessões e privatizações ligadas à infraestrutura. “É a área em que sou mais animado em termos de fluxo”, diz. Isso significa dizer que vai ser com dinheiro local que as ações vão seguir a rota ascendente. “Tem pelo menos R$ 2 trilhões no CDI ou na poupança que têm que migrar, mas os soluços, a volatilidade vão continuar.”
Do ponto de vista dos fundamentos, as companhias listadas na bolsa têm como entregar neste ano lucros de 15% a 20% maiores do que em 2019, com o Ibovespa atingindo a marca do 135 mil pontos até dezembro, segundo Aline Cardoso, gestora e analista de renda variável da Trafalgar Investimentos. “As empresas passaram pela crise enxugando custos, têm capacidade ociosa para crescer sem contratar ou fazer mais investimentos”, diz.
Olhando para o fluxo, ela vê “uma corrida maluca” da pessoa física atrás de retornos, se movendo para fundos de crédito, imobiliários e também aumentando a alocação em bolsa, direta ou indiretamente. Exemplo disso é que em 2019, o fundos de ações tiveram captação líquida de R$ 87,2 bilhões, segundo a Anbima. Neste ano, até o dia 24, outros R$ 17,4 bilhões ingressaram, o equivalente a 3,49% do patrimônio da categoria.
Em 12 meses, as captações representam 29,38% do estoque.
“Uma outra fonte deve vir dos fundos de pensão. Os grandes já têm pelo menos 35% do patrimônio em renda variável, mas os menores têm alocação muito baixa”, diz Aline. O fluxo que ainda não veio é o do estrangeiro – neste ano, o saldo do capital externo na B3 estava negativo em R$ 13,9 bilhões.
Ela cita pesquisa do Bank of America Merrill Lynch que traz que os fundos dedicados a emergentes ou à América Latina têm posição neutra em Brasil ou levemente “overweight” (acima da média do mercado). “Parece faltar confiança para aumentar a alocação.” A gestora lembra que para um “hedge fund” é mais trivial entrar e sair, mas os megafundos levam tempo para mexer o leme.
“Um fundo de ‘emerging’ do J.P. que tem cerca de US$ 100 bilhões, se quisesse montar uma posição de 5%, de US$ 5 bilhões, [ou R$ 20 bilhões], demora meses e a porta de saída é ainda menor. Sabe que vai montar e que vai levar mais tempo ainda para desmontar, então precisa ter a confiança que o país vai crescer em 2020, 2021 e 2022 para valer a pena fazer um movimento desses.”
Os setores cíclicos domésticos estão entre as preferências da gestora da Trafalgar, com empresas de varejo, tecnologia e consumo como os principais casos.
Entre os riscos, Aline cita as eleições americanas e o coronavírus, que não estava no radar de ninguém. Na época da Sars (síndrome aguda respiratória grave), em 2003, ela cita que o S&P 500 caiu 12% do pico ao chão em um mês, recuperando-se quatro meses depois. “Mas não se sabe a extensão do novo vírus, quantas pessoas foram infectadas.” Para atravessar tempos difíceis, ela diz que o fundo sempre trabalha com proteções, via opções de índices no Brasil e no exterior e que, atualmente, tem
também posições em ouro.
Virada uma das páginas da guerra comercial entre China e Estados Unidos, o cenário base de Fabiano Godói, diretor de investimentos da Kairós Capital, é um mundo que cresce menos, com taxas de juros e inflação baixas, mas sem risco de recessão. Essa combinação, com custo de oportunidade muito baixo, deveria estimular ativos de risco.
“A gente enxerga um ano relativamente benigno no mundo desenvolvido. E com vários BCs cortando juros, e alguns países com estímulo fiscal, a soma de tudo isso é um ambiente de liquidez internacional abundante. Com menor temor de que o mundo esteja às vésperas de uma recessão, é de se esperar que países emergentes sejam beneficiados de fluxos de investimentos”, diz Godói.
Para o gestor, o Brasil tem feito a lição de casa desde o governo Temer, com o avanço de reformas e a mudança da TJLP que devem trazer mais potência para a política monetária numa eventual mudança de ciclo. “Ninguém mais está pagando meia entrada”, diz, referindo-se à política de juros subsidiados que perdurou por anos nos empréstimos do BNDES. “Antes, precisava subir 10 pontos percentuais [na Selic] para ter efeito na inflação. Agora, é muito possível que não precise esse movimento. O Brasil mudou de patamar e lá fora os investidores observam isso.”
Confirmando-se números melhores para o PIB – a casa estima 2,5% -, Godói vê como provável a volta do estrangeiro, não só para portfólio, como também para investimentos diretos, no financiamento de projetos de infraestrutura, como portos, mais conservadora, para ativos de maior risco, como ações, fundos imobiliários e demais alternativas voláteis. “Com esse pano de fundo, hoje o Brasil é, possivelmente, o mercado de ações com o risco/retorno mais interessante para 2020.”
Godói diz gostar de ações de empresas cíclicas domésticas, que deveriam se apropriar do maior crescimento local. “A gente vê a bolsa como um todo boa, porque se o crescimento melhorar, o investidor estrangeiro vem em papéis mais líquidos.”
Por ora, a gestora está fora do mercado de juros. Godói é da linha de gestores que acham necessário pesar se vale a pena derrubar muito a Selic, referência de curto prazo, sob o risco de subir as taxas longas. “Olhando dessa forma, o movimento em taxa de juros, se já não foi, falta pouco para terminar.”
No câmbio, o gestor diz que será preciso um fluxo consistente de capital estrangeiros para mudar a relação dólar/real de patamar. Parte da desvalorização da moeda é fruto da saída do “fast money”, aquele capital de curto prazo que costumava fazer arbitragem de juros. Outra explicação está na troca de dívidas em moeda estrangeira por passivo local. “No futuro é bom porque diminui o passivo externo líquido, mas por enquanto é mais uma lenha na fogueira que colocou o câmbio em outro patamar.”
Absorvido o movimento de queda de juros, que trouxe retornos gordos para posições de renda fixa (prefixados e títulos atrelados à inflação) em 2019, todo o escopo de risco passa por uma reavaliação, diz Rodrigo Marques de Almeida, executivo-chefe de investimentos do Andbank. Com a recalibragem, parte do dinheiro vai para bolsa, ativos imobiliários, crédito estruturado e parte para investimentos diretos ou em fundos de private equity e de infraestrutura. Entre o cliente de alta renda, a tendência é
experimentar as classes de ativos internacionais. “Ele vai aproveitar o novo ciclo de longo prazo de tecnologia e inovação. E, desta vez, o mundo está mais aberto. Com juros reais entre 1% e 2%, o brasileiro virou um investidor global.”