Brasil sob nova direção incentiva aplicação em bolsa – Valor, 01 de fevereiro de 2019
Mesmo com a forte queda das ações da Vale na última semana do mês, a bolsa foi a melhor escolha para o investidor em janeiro. Nos dois últimos pregões, o mercado ainda ganhou de presente a postura menos inclinada à alta de juros pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano), o que assegurou um pequeno rali para ativos de risco globalmente. O Ibovespa ensaiou ontem novo recorde, ao bater 98.405 pontos na máxima do dia, mas fechou em 97.394 pontos.
Com a ideia de que a economia local seguirá a trajetória de uma recuperação cíclica, o viés dos gestores de recursos é pró-kit Brasil – o que quer dizer que veem chances de valorização adicional para as ações e para o real, enquanto juros apontam para baixo – e já há quem considere haver espaço para queda da Selic. O que ancora tal percepção é a crença de que o governo do presidente Jair Bolsonaro tem capital político para avançar na reforma da Previdência com o início dos trabalhos no Legislativo.
No primeiro mês do ano, foi o índice de dividendos da B3 que teve desempenho mais expressivo, com valorização de 12,5%, seguido pelo de ações do setor de consumo (12,3%), o imobiliário (10,4%) e pelo Ibovespa (10,8%). Euro e dólar (-5,6%) ficaram na lanterna. Entre os referenciais de renda fixa, o IMA-B5+, que reúne uma cesta de títulos públicos atrelados à inflação com prazo superior a cinco anos, com ganhos de 6,6%.
Com a lupa agora voltada para o Congresso, é a renda variável que tem mais condições de multiplicar o capital do investidor nos próximos meses, na opinião de Fernando Lovisotto, sócio da Vinci Partners. Para se ter uma ideia, o fundo de ações da casa praticamente não tem caixa e está alocado principalmente em “histórias locais, que dependam menos do crescimento global”, tendo saído de casos mais ligados à cadeia de commodities.
O executivo destaca que a qualidade do fluxo para a renda variável também melhorou. Enquanto no pós-eleição as ações se valorizaram com os recursos da pessoa física, na virada para 2019 o institucional local passou a ter presença marcante nos pregões, saindo de papéis de renda fixa como as Notas do Tesouro Nacional série B (NTN-B, atreladas à inflação). Agora, com o Fed sinalizando ao menos juros estáveis, mais favoráveis são os ventos para os emergentes.
“Foi uma sustentação importante para a bolsa, mas todo mundo está preso às reformas”, afirma, referindo-se principalmente à revisão das regras da Previdência, que deve começar a ser discutida neste mês no Congresso.
É do andamento dessa pauta, que sinalizaria uma melhora fiscal para o país, que vai condicionar a volta do capital externo para os ativos locais. “O estrangeiro olha para Brasil dentro do conjunto dos emergentes. No ano passado mantinha um maior peso na China onde perdeu muito dinheiro.” O saldo do capital externo na B3 estava em R$ 1,06 bilhão até o dia 29.
A aposta em bolsa vai ser, porém, uma jornada de vaivéns, a exemplo do que se viu nos dois últimos anos. Nos multimercados da Vinci, a casa também aumentou a exposição a ações e Lovisotto diz ver nos bastidores movimentação de fundos de pensão para selecionar gestores de renda variável. Com a Selic a 6,5% ao ano, mais difícil é a tarefa desses institucionais de cumprir metas atuariais sem se valer da diversificação em bolsa.
Na renda fixa, a Vinci reduziu as posições e tem dado preferência à alocação em juro real mais curto, a NTN-B com vencimento entre 2022 e 2028. “Já vi gestor falando que a 2050 é boa, mas acho que só vale se o estrangeiro voltar a comprar.”
O capital externo está claramente cético com o Brasil, mas o país tem uma condição macroeconômica favorável, com baixa inflação e chances reais de o crescimento cíclico se concretizar, após a rateada dos últimos anos, diz Felipe Niemeyer, sócio responsável pela área de relações com investidores da Canvas Capital. Apesar de reconhecer o risco de execução, a sua percepção é que o governo está engajado e tem o diagnóstico claro do que precisa ser feito. Num mercado ainda sem apoio do estrangeiro, qualquer passo concreto pode se converter em fluxo novo.
“Se as coisas caminharem bem é um montante enorme de capital”, diz. “O estrangeiro quer ver as coisas mais avançadas, prefere pagar o pênalti e deixa de pegar o rali inicial para comprar com mais convicção. Se a proposta [da Previdência] passa na Câmara, esse investidor começa a ter um pouco mais de boa fé com o país.”
Para Niemeyer, o ruído em torno do senador Flávio Bolsonaro atrapalha, mas a sua impressão é que o problema não deve cair no colo do Planalto. O filho mais velho do presidente, Jair Bolsonaro, é alvo de apuração do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) por movimentações financeiras consideradas atípicas.
“O principal está dado: na articulação do quanto se consegue passar [da reforma da Previdência]”, diz. “Com o dinheiro de fora, o rali pode ser maior. Tem espaço para a bolsa subir, [a taxa de] câmbio cair e juro real longo recuar, com geração de riqueza e crescimento. Faz tempo que o Brasil não passa por um ciclo bom.”
A postura menos inclinada à alta de juros pelo Fed e a aparente disposição do presidente Donald Trump de chegar a um acordo com a China na questão comercial tiraram duas fontes de pressão do mercado brasileiro e trazem um cenário mais favorável para os ativos locais, segundo José Alberto Tovar, sócio-fundador da Truxt Investimentos.
“O Fed foi bem mais tranquilizador, deixando em aberto o que pode fazer e até a possibilidade de baixar [os juros]”, diz. O gestor acrescenta que outro recado que não estava presente no encontro anterior é que o BC americano mostrou não estar com pressa para reduzir o seu balanço e retirar liquidez do sistema financeiro. A continuidade desse movimento, segundo o gestor, depende, porém, de um encaminhamento rápido da reforma da Previdência, pauta que a seu ver será tratada como prioridade, incluindo os militares. Esse é um primeiro passo para melhorar o quadro fiscal e derrubar a desconfiança do capital estrangeiro com o Brasil. “Se aprovar, se reverte em animação para a bolsa e para os ativos brasileiros em geral.”
O executivo afirma que apesar de seguir vigilante, a gestora tem um olhar positivo para a bolsa e para os juros mais longos. Mas como a partida não está ganha, a Truxt vem se valendo de algumas proteções com opções. “Se a bolsa cair, machuca, mas fizemos algumas defesas para o caso de um grande desastre.”
O desempenho dos ativos em janeiro, no Brasil e no exterior, mostra um mundo mais propenso à tomada de risco, diz Ronaldo Guimarães, sócio-diretor do Banco Modal mais. Prova desse viés é que mesmo com o trágico rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho (MG), na semana passada, a bolsa conseguiu manter, após um primeiro soluço, o tom positivo que prevaleceu na maioria dos pregões ao longo do mês.
“Depois de muitos anos de sofrimento, de queda do PIB, o desemprego dá sinais de estabilização e o país pode entrar de fato num processo de recuperação”, diz, acrescentando que esse estado de espírito está atrelado à reforma da Previdência e outras microrreformas na sequência.
Da cena internacional, ele diz que o principal sinal para a reação dos ativos veio de integrantes do Fed, que assumiram um tom mais ameno para a correção da rota monetária, o que se confirmou com a reunião de quarta-feira. O mercado passou a embutir nos preços correção zero para as taxas referenciais americanas.
Segundo Guimarães, ao pesar no lado mais ‘dove’, há impactos positivos sobre os ativos de risco de uma maneira geral, e em emergentes em particular. Fundos de ações no Brasil e Estados Unidos, multimercados macro e carteiras de renda fixa e atreladas ao IMA-B5+ tendem a ser beneficiados.