Desalavancagem de multimercados amplifica perdas do ‘kit Brasil’ – Valor, 08 de junho de 2018
Depois de receber uma enxurrada de recursos nos últimos dois anos, na esteira do corte de juros que levou a Selic à mínima histórica, os multimercados voltaram a encontrar uma porta estreita de saída pelas alocações no chamado “kit Brasil” – com posições que combinavam queda dos juros com a valorização do real e da bolsa. Como muitos mandatos ainda preveem volatilidade relativamente baixa, entre 2% e 4%, o que se vê agora é um movimento de desalavancagem para estancar perdas.
No conjunto, a percepção é que havia uma certa negligência com o risco eleições, com apostas que um candidato reformista deslancharia, coincidindo com uma fase em que a lua de mel com os emergentes chegou ao fim. Agora, as probabilidades foram ajustadas a um cenário que pode contemplar candidatos dos extremos, como Jair Bolsonaro ou Ciro Gomes, conforme mostrou sondagem da XP Investimentos com investidores institucionais, apontando um segundo turno entre os dois, com 48% dos entrevistados acreditando na vitória de Bolsonaro.
“A indústria de fundos estava complacente com os riscos à frente”, diz Fabiano Rios, sócio-gestor da Absolute Investimentos. “A maioria estava no mesmo lugar, e os fundos com um tamanho grande porque a indústria cresceu muito recentemente. Havia poucos com ‘call’ contrário.”
Conforme dados divulgados ontem pela Anbima, entidade que representa o mercado de capitais e de investimentos, os multimercados atraíram quase R$ 45 bilhões neste ano até maio, com o ingresso de R$ 91,3 bilhões em 12 meses.
Embora veja a bolsa barata, depois da rápida depreciação das ações, Rios acha que esse é o segmento em que os mecanismos de “stop loss” ainda não terminaram. Enquanto nos mercados de juros e câmbio há atuação coordenada do Tesouro e do BC, na bolsa não há nenhum agente que auxilie a reequilibrar os preços. A alternativa seria as próprias empresas lançarem programas de recompra.
Depois do dia de pânico vivido ontem pelo mercado, os níveis de preços do dólar e dos juros futuros estão mais razoáveis e compatíveis com o atual cenário eleitoral, considerando-se que faltam quatro meses para o pleito, diz um dos gestores mais respeitados do mercado, que falou na condição de anonimato.
“Houve uma mudança de percepção dos fundos brasileiros, que até recentemente trabalhavam com a ideia de que Geraldo Alckmin ganharia a eleição e que a economia aceleraria”, diz. “De repente, perceberam que o cenário mais possível hoje é haver segundo turno entre Bolsonaro e Ciro ou talvez alguém do PT. No meio disso ainda os juros americanos subiram e houve problemas na Argentina, na Itália, na Turquia.”
Ele cita que fundos grandes tiveram perdas e tiveram que zerar suas posições montadas para um cenário mais benigno da economia. “Isso virou uma bola de neve.” Boa parte desse movimento, na sua avaliação, já ocorreu.
Esse gestor observa que raras vezes viu o Brasil fazer preço no mercado externo como ontem. “Nunca vi uma correlação tão perfeita. Normalmente o Brasil não mexe com o mercado global, mas a bolsa americana chegou a cair 0,5% e depois voltou quando acalmou aqui. Juros americanos e moedas emergentes também reagiram ao Brasil.”
Para o gestor, o BC não deve ceder à pressão do mercado pela alta da Selic. “Pelas nossas contas, com o câmbio no atual patamar o BC está cumprindo a meta de inflação de 4,25% do ano que vem. Se câmbio subir mais, aí sim correria risco de descumprir. E não é função do BC aliviar o prejuízo do mercado”, afirmou. “Também não é função do BC servir dólar barato para ninguém.” Em relação aos juros, prossegue, já houve um aperto monetário conforme os juros futuros subiram e as taxas das NTN-Bs longas também. “O BC não precisa subir taxa porque o ajuste se deu pelo mercado.”
Com a dinâmica negativa nas últimas semanas, algumas gestoras passaram a apostar, porém, na alta da Selic, ainda que, pelo lado dos fundamentos, argumentem que a inflação baixa não justifica uma ação nesse sentido.
A Truxt Investimentos, por exemplo, no seu fundo macro passou a ter uma posição no contrato de DI com vencimento em janeiro de 2020 pró-alta da Selic, após ser uma das poucas casas a acertar a manutenção da taxa em 6,5% ao ano na reunião passada do Copom.
“O dólar não para de subir no mundo, essa não é uma dinâmica exclusiva de Brasil, mas o país tem as suas fragilidades”, diz o sócio-fundador da Truxt José Alberto Tovar, citando a debilidade fiscal, o processo eleitoral longe de emplacar um candidato reformista e revisões para um PIB menor num momento de maior aversão com emergentes.
O recente capítulo da greve dos caminhoneiros, com toda a discussão em torno do ajuste dos combustíveis, só expôs as feridas de um governo enfraquecido, que passou a ter as suas estratégias de política monetária questionadas. A disparada dos juros, o desmonte de posições na bolsa e o dólar flertando com o nível de R$ 4 são sintomas dessa combinação. “E a principal atitude do BC para defender o real em relação ao dólar é subir os juros. Não estou dizendo que vá fazer isso, mas é o que passou a ser cogitado”, diz Tovar.
Ele cita que a virada do cenário externo junto com a piora local pegou o setor de fundos alocado em posições otimistas demais para o Brasil. “Isso levou a indústria a virar o book para um cenário mais negativo. O mercado hoje está com uma dinâmica cambial perversa, perigosa.”
Após apertos monetários na Turquia e na Argentina, começa-se a especular se o BC vai fazer o mesmo, diz. “É um momento em que o mercado de juros parece disfuncional [com alta das taxas], apesar do PIB menor e da inflação sob controle, por mais que o ‘pass through’ do câmbio seja pequeno, mas país emergente normalmente defende moeda subindo juros.”
A desvalorização de moedas emergentes serviu de alerta para a Absolute enxergar os gatilhos de piora do mercado antes da onda negativa que abateu os multimercados nas últimas semanas. Uma das gestoras Top 5 do BC na previsão de juros de longo prazo, a casa passou o ano passado inteiro e o início de 2018 com posições pró-queda da Selic, mas inverteu a mão quando a boa vontade com economias em desenvolvimento ruiu.
“A gente não só zerou, como inverteu, agora tem posições tomadas [apostando na alta]”, cita Rios. A exposição em bolsa também foi zerada, bem como a pequena parcela da estratégia comprada em dólar em relação ao real. A casa mantém, ainda, uma posição relevante no cupom cambial, derivativo que expressa o juro em dólar, por entender que há uma má preficação dos juros.
“O mercado está muito assustado porque lá fora outros países subiram juros para conter o movimento de depreciação da moeda. Não descartamos que isso possa acontecer por aqui, mas a situação do Brasil é diferente”, diz. “Os núcleos [de inflação] estão nos níveis mais baixos, o crescimento da economia tem decepcionando, com revisões para baixo. Na prática, o país não vai crescer nada neste ano, praticamente só o carrego estatístico [de 2017].” A Absolute espera uma expansão do PIB entre 1% e 1,5% para este ano.
Com a disparada da volatilidade, a Pacífico saiu das posições mais estruturais e hoje tem pouco risco na carteira, segundo o sócio-gestor Eduardo de Carvalho Moreira. Até a parcela que tinha comprada em dólar em relação ao real, montada quando a relação era de R$ 3,20, foi desfeita porque com a moeda acima de R$ 3,90 o risco de manter a posição cresceu. Embora veja ressurgir discussões em torno de um aumento da taxa agora, considera que as condições inflacionárias ainda são benignas, com algum grau de manobra para o BC.
“No IPCA-15 de maio, os preços subjacentes, mais sensíveis à política monetária, variaram menos que 3%, abaixo do piso da meta; há uma espaço grande para a inflação reagir aos ‘tradables’ [bens comercializáveis internacionalmente]”, diz.
Para o gestor, a atuação do BC tem sido correta, ao suprir o mercado de câmbio, dando liquidez, sem forçar uma direção para a moeda. “O Brasil tem US$ 380 bilhões em reservas para ajudar nessas horas e permite assim que o câmbio flutue, porém, com solavancos menores”, diz.
Ele argumenta que não dá para colocar o Brasil no mesmo bolo de outros emergentes que se viram forçados a adotar um choque de juros, como a Turquia, que vinha rodando com um PIB de 7% e inflação a 12%, com a meta em 5%. “O Ilan tem uma situação muito mais confortável, tem um espaço maior para acomodar ajustes do câmbio”, diz. “O Brasil entra nessa comparação porque tem o fiscal frágil e no processo eleitoral discute quem vai ser o próximo presidente e como ele vai equacionar o buraco nas contas públicas.”
Preservar, mais do que construir, é a palavra de ordem nesses dias de disparada da volatilidade, diz o sócio-gestor da MRJ Marejo Guilherme Foureaux. “O mercado está zerando posições mais do que apostando contra [o real ou aumento de juros], porque não sabe para onde os preços vão, não dá para fazer conta”, diz.
Ele lembra que as taxas de longo prazo subiram ao nível de Dilma Rousseff na presidência, porque os gestores estão mais preocupados em evitar novas perdas. “Não faz sentido num mercado em pânico subir Selic em 0,25 ponto, o medo é haver um salto nos juros de curto prazo.”
Nesse meio tempo para proteger a carteira, Foureaux trocou alguns ativos prefixados por títulos atrelados à inflação, que oferecem um bom seguro se houver pressões sobre os preços decorrentes da desvalorização cambial. “Não é hora de tentar se posicionar para alguns cenários, é hora de se proteger das adversidades.”