Desancoragem de expectativas de inflação se acentua e impõe desafio ao BC
Medidas de taxa ‘implícita’ de dois anos têm aumentado de forma expressiva e se distanciam cada vez mais da meta de 3%
Por Gabriel Roca e Victor Rezende — De São Paulo
A despeito das apostas de que a Selic pode subir acima de 13%, a visão dos agentes financeiros para a inflação exibiu piora consistente nas últimas semanas e as projeções para o IPCA no Focus para o fim de 2024 já estão no teto da meta perseguida pelo Banco Central (BC). Monitorando os riscos fiscais, uma atividade econômica robusta, a depreciação cambial e os efeitos da seca, que podem gerar pressões mais acentuadas nos preços de alimentos, as medidas de inflação “implícita” extraídas dos títulos públicos (NTN-Bs) também dispararam recentemente e já são negociadas em torno de 5,70% para todos os prazos.
A piora nas expectativas de inflação é generalizada e tem ganhado força nas últimas semanas. No Boletim Focus divulgado ontem, a mediana das projeções para o IPCA no fim de 2024 saltou de 4,39% para 4,50% – exatamente o teto da meta perseguido pela autoridade monetária. Já as estimativas para a inflação em 2025 também subiram, de 3,96% para 3,99%.
Contudo, tem sido ainda mais relevante o movimento observado pela inflação “implícita” extraída das NTN-Bs (títulos públicos indexados ao IPCA). De acordo com a Truxt Investimentos, a inflação “implícita” de dois anos saltou de 4,56% das mínimas registradas em meados de agosto – pouco mais de dois meses atrás – para 5,76% no fim de sexta-feira.
E apesar do forte movimento no mercado de inflação, ainda há espaço para que as taxas continuem subindo, segundo profissionais de mercado consultados pela reportagem do Valor.
O gestor de renda fixa Vagner Alves, da Kinea Investimentos, afirma que, mesmo após o salto das últimas semanas, a gestora mantém posições compradas em inflação “implícita” de curto prazo – ou seja, aposta em uma alta adicional das taxas. “Já teve um bom movimento, mas a gente acha que ainda tem uma assimetria de alta por alguns motivos”, relata o gestor.
De acordo com ele, o fator mais importante para o movimento foi o choque observado recentemente nos preços do boi gordo. “Como a economia está forte e o mercado de trabalho está apertado, acreditamos que o repasse dessa alta do boi gordo para o consumidor vai ser elevado. Também vemos alta em outros preços de alimentos”, diz.
A segunda parte relevante da estratégia de compra das “implícitas” de curto prazo é a desvalorização recente do real. Alves explica que os Índices Gerais de Preços (IGPs) já começam a exibir aceleração e o IGP-DI no fim do mês pode ter avanço de quase 2%.
“Isso ainda está começando a bater nos preços do atacado e vai chegar de maneira mais relevante para o IPCA nos próximos seis meses. Não achamos que o repasse já tenha acontecido. E acaba valendo a mesma ideia do repasse dos alimentos: com uma economia aquecida, o repasse da desvalorização do câmbio acaba também sendo elevado”, afirma o gestor da Kinea.
Como os choques têm ocorrido no fim do ano, existe uma probabilidade grande de que a inércia inflacionária se traduza em reajustes maiores para o ano que vem, também nos itens ligados aos serviços. “O fato de terminar o ano com uma inflação acumulada em 12 meses mais alta, tanto no IPCA como no IGP, pode acabar fazendo com que haja surpresas nesses reajustes mais indexados à inflação. Basicamente, é a inércia da inflação atuando. Acreditamos que a inflação de aluguel irá surpreender para cima nos próximos seis a oito meses, além dos preços de condomínio e educação”, afirma Alves.
Na visão do gestor, a inflação deve terminar 2025 próxima dos 5% e as expectativas do Focus devem continuar a subir à frente, ainda que de forma mais lenta.
Guilherme Foureaux, sócio e gestor macro da Truxt, nota que há uma desancoragem muito grande da inflação “implícita” de dois anos à frente, muito acima do centro da meta, de 3%, mesmo com o início de um ciclo de aperto monetário. “Quando o BC optou pela elevação da Selic, o prêmio até chegou a cair um pouco, mas durou muito pouco tempo e já voltou a aumentar”, afirma. Para ele, os motivos estão associados tanto à inflação “cíclica”, que tem piorado recentemente, quanto a fatores de prazo mais longo, como a questão fiscal e a atividade econômica.
“A parte cíclica da inflação está piorando: os preços dos alimentos e de energia elétrica, que contribuem para o número ‘cheio’ estão subindo. É um aumento da inflação que não pode ser combatido só pelo BC, já que a desancoragem é de 2,7 pontos. Mas a inflação de curto prazo não tem muito a ver com a Selic, ela é mais cíclica e tivemos esse problema de energia e de seca; os preços das carnes vão subir muito no fim do ano etc. O problema é que estamos juntando a parte cíclica com uma mais estrutural.”
Na avaliação de Foureaux, a dinâmica da dívida e as pressões da taxa de câmbio têm gerado um aumento dos prêmios de risco fiscais, o que tem impulsionado para cima a inflação “implícita”. “Isso deixa a inflação de longo prazo bem desancorada e torna o trabalho do BC um pouco mais difícil”, diz.
O gestor nota que a precificação da curva de juros aponta para uma Selic entre 13,25% e 13,5% em meados do próximo ano e, mesmo assim, a inflação embutida nos preços dos ativos está muito elevada. “É um quebra-cabeça complicado para o BC resolver.”
Foureaux, inclusive, vê chance de uma alta adicional da inflação “implícita”, ao analisar que há componentes técnicos que podem influenciar os mercados. “O Tesouro tem optado por emitir LFTs, e não apenas títulos prefixados. Se o BC tiver de subir muito os juros, essa estratégia pode ser alterada, já que as LFTs teriam um impacto até mais direto no custo da dívida. Assim, se em algum momento o Tesouro emitir prefixados, seria natural ver a curva de juros com mais prêmio no médio e no longo prazo.”
No momento, a Truxt mantém no portfólio dos fundos macro posições compradas (aposta na alta) na inflação de curto prazo.
Da mesma forma, o chefe da área de renda fixa da Ace Capital, Luiz Alberto Basqueira, afirma que a gestora continua pessimista com o comportamento da inflação, de modo geral, mas reduziu recentemente as posições devido ao nível dos preços dos ativos. “Reduzimos as posições em implícitas como um todo e ‘alongamos’ um pouco. Os preços na parte curta estão mais consistentes com os riscos que vínhamos mapeando.”
A Ace também atribui boa parte do recente movimento da inflação “implícita” ao aumento expressivo nos preços do boi gordo. “Outras commodities também andaram recentemente, como as metálicas e algumas agrícolas, e o próprio câmbio tem se depreciado novamente. A carne do boi foi destaque, porém não foi o único fator de pressão. Mas concordamos que a parte de alimentação ainda continua sendo o principal risco e a maior fonte de pressão extra”, diz.
Basqueira vê riscos de o movimento observado nas “implícitas” ser seguido pelas projeções do Focus nas próximas semanas. A média das projeções do boletim para o IPCA em 2025 subiu de 4,00% para 4,04% nesta semana. Além disso, a mediana dos últimos cinco dias avançou de 3,94% para 4% e mesma medida para o IPCA de 2026 subiu de 3,60% para 3,70%.
“A variação dos preços correntes, o comportamento das ‘implícitas’ e outras métricas do Focus levam a crer que as projeções para o IPCA vão continuar subindo. Tudo isso deve dificultar a vida do BC e devemos continuar vendo o mercado, aos poucos, revisando a Selic no fim do ciclo para cima”, afirma.
A Ace, neste momento, tem uma projeção de Selic em 12,5% no fim do ciclo, com viés de alta. “Ainda temos algumas posições tomadas [que apostam na alta] dos juros futuros dado o nosso viés para o fiscal e com um cenário externo que se mostra mais desafiador”, diz.