Dólar cai a R$ 5,15 com discurso de cautela do BC – Valor, 24 de junho de 2020

Embora mercado ainda esteja longe de um consenso sobre rumos da Selic, ata do Copom ajuda a frear expectativas mais agressivas de flexibilização monetária
Por Lucas Hirata e Marcelo Osakabe — De São Paulo

A busca por ativos de risco em todo o mundo e a percepção de que o Banco Central adotou uma postura mais cautelosa sobre os rumos dos juros no Brasil garantiram uma sessão de alívio no mercado de câmbio. Em sua terceira queda seguida, o dólar comercial recuou para R$ 5,15 e atingiu o nível mais baixo em uma semana, deixando o real em destaque ante outras
divisas globais.

Por aqui, a moeda americana terminou a sessão em queda de 2,25%, aos R$ 5,1517 – mínima desde o último dia 15 de junho quando fechou aos R$ 5,1421. Em uma demonstração da conhecida volatilidade do mercado local, o movimento foi de longe o mais intenso entre as 33 principais divisas do mundo. O peso colombiano, por exemplo, foi a moeda com o segundo
melhor desempenho do dia e registrou um ganho de 1,21% contra o dólar.

Embora o mercado ainda esteja longe de um consenso sobre os próximos passos do Banco Central na política monetária, analistas afirmam que a moeda local reagiu a uma postura mais cuidadosa dos dirigentes sobre a possibilidade de testar níveis ainda mais baixos da Selic. Na ata da última decisão de juros, divulgada ontem, o Comitê de Política Monetária (Copom)
reiterou que o espaço para um eventual ajuste na Selic é residual e destacou a discussão teórica sobre o limite de queda da taxa básica – o chamado “effective lower bound” que, se cruzado, poderia trazer aperto das condições financeiras como pressão no câmbio.

Para Sergio Goldestein, ex-chefe do Departamento de Operações de Mercado Aberto do Banco Central (Demab), o real se beneficiou da percepção de que ciclo de relaxamento monetário terminou ou apenas haverá ajuste residual de 0,25 ponto percentual. Além disso, o mercado contou com um desmonte de operações de “hedge” montadas com compras de dólar, que eram casadas a posições aplicadas em juros prefixados ou compradas em bolsa. Essa reversão foi reforçada, ainda, pelo ambiente mais favorável a ativos de risco no exterior, queda global do dólar e melhora do fluxo cambial.

“Como o nosso prêmio de risco é maior, a taxa Selic não pode ir para um patamar próximo de zero, dado o risco de gerar condições financeiras mais restritivas ou mesmo estresse desnecessário nos mercados de títulos privados e públicos, como a elevação dos deságios das LFT”, alerta o profissional. Ele afirma que a queda da Selic já está no limite, dado o risco fiscal e o volume grande de títulos públicos que vencem no curto prazo. “Além disso, há uma enorme incerteza sobre a evolução da atividade e da inflação no horizonte relevante da política monetária e, por isso, o Copom deve dar maior peso à sua avaliação discricionária do balanço de riscos em contraposição a um olhar mecânico dos modelos de projeção de inflação”.

Por outro lado, a estabilidade das taxas de juros futuros de curto prazo – mais sensíveis às expectativas para política monetária – demonstra que o mercado continua dividido sobre o tema. A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2021 ficou em 2,035%.

O Goldman Sachs, por exemplo, vê espaço para redução de 0,25 ponto percentual ou até de 0,50 ponto da Selic em agosto. Alberto Ramos, economista para Brasil no banco, afirma que a linguagem e o conteúdo da ata seguem ligeiramente favoráveis a cortes e deixam a porta aberta para um possível ajuste pequeno na Selic, dada a expectativa muito confortável
de inflação para 2021 e a indicação de que as principais medidas de inflação estão abaixo do nível compatível com o cumprimento da meta no horizonte relevante da política monetária.

Um dos principais fatores que inibe a expectativa de novos cortes é justamente a comunicação mais cautelosa do Copom, avalia Aurelio Bicalho, economista-chefe da Vinland. No entanto, ele não descarta cortes adicionais da Selic no futuro, dado o cenário de queda da atividade e baixa inflação. A projeção da gestora para o IPCA está em 1,5% em 2020 e 2,5% em 2021, bem abaixo das metas perseguidas pelo Banco Central, de 4,00% e 3,75%, respectivamente.

Bicalho afirma, inclusive, que o BC ainda pode pender para novos cortes no futuro a depender da evolução da crise. “Se o cenário de atividade for pior do que o esperado e se as expectativas de inflação para 2021 continuarem caindo, poderemos ter novas quedas da Selic”, diz o analista.

Guilherme Loureiro, economista-chefe da Trafalgar Investimentos, nota que o tom da ata indica que o estímulo monetário implementado até o momento está condizente com as condições atuais, o que significa que, daqui para frente, qualquer ação adicional está ligada a surpresas no cenário. “O Copom deixou a porta aberta para um eventual corte de 0,25 ponto se necessário. Como no nosso cenário, contamos com uma recuperação mais forte, acredito que em agosto o BC vai ter informação suficiente para dizer que o ciclo de cortes terminou”. A Trafalgar trabalha com uma expectativa para o PIB desse ano entre -4,0% e -4,5%, contra -6,50% mediana da Focus.

Já Mariana Dreux, gestora do fundo Macro da Truxt, chama atenção para a discussão sobre as transferências durante a pandemia. “O BC desconfia que quando o lockdown terminar, a população poderá ter renda disponível até maior que antes da crise. Isso é algo que já estamos vendo em outros países que estão saindo do isolamento e que têm surpresa positiva dos indicadores justamente porque implantaram programas de renda semelhantes ao do Brasil”, ressalta. “Se esse for realmente o caso, o BC não terá necessidade de aplicar novos estímulos. É difícil cravar ainda e pode haver flexibilização adicional, mas o mais provável nesse caso seria uma interrupção dos cortes.”