Fundos de ações mais rentáveis ganham com proteção e caixa – Valor , 27 de julho de 2020

Uso de hedge para carteira e dinheiro para aproveitar barganhas garantem resultados positivos
Por Naiara Bertão — De São Paulo

A pandemia da covid-19, que já entrou para história como uma das piores crises globais, tem representado uma verdadeira prova de fogo para investidores até aqui. Para se ter uma ideia da magnitude do estrago, na crise de 1929, o índice Dow Jones da bolsa americana demorou 35 dias para entrar em “bear market’ (mercado de baixa), quando a queda acumulada supera os 20%. Em 2008, o mercado demorou mais de quatro meses para cair mais de 20%, de maio até o fim de setembro.


Já neste ano, assim que surgiram as primeiras notícias de disseminação do novo coronavírus, foram necessários apenas 16 dias, de 26 de fevereiro a 12 de março, para o Ibovespa despencar 36%, o EWZ (índice da bolsa brasileira em dólares) se desvalorizar 44% e o S&P 500, da bolsa americana, cair 27%.


Ainda que o Ibovespa já tenha se recuperado bem no ano – no dia 20 de julho bateu 104.426 mil pontos -, a perda acumulada em 2020 ainda ronda os 10%. Mas, como se sabe, o Ibovespa é apenas uma referência da média do mercado. Quem investe em fundos de ações pode tanto ter resultados melhores como piores que esse indicador.

Para ver quem se saiu melhor nesse período conturbado para os mercados, o Valor Investe analisou 2.645 fundos de ações e do tipo “long
biased”, que, além de posições compradas em ações, pode operar vendido no ativo. O universo contempla o boletim de fundos de investimentos da Anbima, a associação que representa o setor. Como é possível imaginar, esta foi a categoria de fundos que mais perdeu no primeiro semestre: a mediana da rentabilidade foi de menos 16,08% para os fundos de ações e menos 9,94% para os long biased, enquanto o Ibovespa amargou perda de 17,8%. Há, contudo, quem tenha não só conseguido evitar prejuízo como obtido retornos acima de 40%, conforme o levantamento elaborado pelo economista e blogueiro do Valor Investe Marcelo d’Agosto.


Das conversas com os gestores que se saíram melhor na primeira metade do ano para entender o que deu certo, duas estratégias se sobressaíram: ganhou quem tinha proteção para a carteira e quem tinha caixa e sangue-frio para aproveitar as quedas de dois dígitos da bolsa para comprar ações de empresas que já vinham paquerando há um tempo, mas achavam caras.

A Forpus Capital, que tem o terceiro fundo de ações mais rentável do primeiro semestre, com ganho de 9,65%, sempre se preocupou com proteção, conta o sócio e gestor Luiz Nunes. Desde 2016, a gestora vinha comprando “puts” (opção de venda) de S&P 500, com medo da volatilidade e do risco de uma guinada nos preços dos ativos por lá, que vêm tendo o suporte da política de juros baixos e injeção de dinheiro na economia desde a crise de 2009.


“Nosso fundo [Forpus Ações FIC FIA] fica 130% comprado e 30% vendido, é alavancado. A única maneira de ter alavancagem e dormir tranquilo é ter proteção na carteira. Temos consciência que é muito difícil fazer previsões, especialmente sobre o futuro”, afirma Nunes.

Ele conta que gasta 5% ao ano para proteger a carteira. Com o aprofundamento da crise, no entanto, manter proteção ficou caro e a decisão foi vender as ações e colocar dinheiro no caixa, à espera de oportunidades. Quando o Ibovespa bateu cerca de 70 mil pontos, o fundo
retomou as compras e a estratégia de proteção.


Entre as apostas, a casa deu prioridade para empresas ligadas à tecnologia, como as de varejo digital Magazine Luiza, Centauro, Via Varejo, B2W, Arezzo, Localweb e Mercado Livre. “Achamos que essa [compra digital] é uma tendência de longuíssimo prazo. O varejo virou nosso grande setor, respondendo por 35% da carteira”, conta Nunes.

Fundos de Ações e Long Biased têm perdas de 16,08% e 9,94% no semestre, ante queda de 17,8% do Ibovespa

Empresas de saneamento básico (Sabesp, Copasa e Sanepar) e do setor imobiliário (Trisul, JHSF, Helbor, Eztec e Gafisa) também entraram na
seleção – este último pela expectativa de aceleração do mercado com os juros baixos -, assim como exportadoras, ainda que em uma posição
bem menor do que anteriormente. Neste grupo, destaque para Marfrig, JBS, Cosan e SLC Agrícola, para citar alguns exemplos.


No setor de commodities (minério, metais, papel e celulose, petróleo), a gestora tem opções vendidas. Ainda no lado das proteções, tem apostas vendidas por meio de puts de dólar contra o real, esperando umenfraquecimento da moeda americana.

Outra gestora que se deu bem foi a NHC Capital Brasil. Seu fundo de ações NCH Maracanã foi o quarto melhor em desempenho, com rentabilidade de 8,48%. James Gulbrandsen, responsável pelos fundos da casa americana – que está no Brasil desde 2010 e administra R$ 17 bilhões -, conta que desde o começo do ano estava desconfortável com a conjuntura econômica mundial e a piora dos fundamentos nos EUA, onde os dados do último trimestre de 2019 já não estavam tão favoráveis.


Como a bolsa brasileira tem forte relação com a americana, a gestora decidiu reduzir a posição em ações e aumentar o dinheiro em caixa para
30% do patrimônio do fundo. E com a notícia do coronavírus se espalhando, decidiu ainda aumentar a proteção nas carteiras com opções de venda. A queda rápida da bolsa fez o valor das puts disparar e a decisão foi vender. Mesmo assim, conseguiu proteger o capital dos fundos de
uma queda mais brusca.

Como instrumento de proteção o fundo usa opção de venda do Ibovespa, além de dinheiro em caixa. A meta é evitar uma queda superior a 10% durante um momento de estresse – na turbulência de março chegou a cair 6%, pior mês da história do fundo, que começou em maio de

“Começamos a baixar substancialmente a alocação em proteção após as quedas catastróficas e aumentamos nossa exposição a ações brasileiras, mas com a volta do mercado aos 100 mil pontos, a gente voltou recentemente a reduzir exposição em bolsa, aumentar o caixa e a proteção da carteira”, conta Gulbrandsen.

Para ele, o cenário ainda é desafiador tanto no Brasil quanto nos EUA. “Está todo mundo confiando que a liquidez vai resolver tudo, sem se preocupar muito com os fundamentos. Nós estamos cientes de que os ganhos nos EUA são artificiais, assim como os ganhos do Ibovespa”, afirma.


O índice local a 100 mil pontos, na visão de Gulbrandsen, representa múltiplos bastante estendidos dada a perspectiva de queda de lucratividade de 30% a 40%. Mas ele pondera que, apesar de cara, a bolsa brasileira não vive uma bolha. E cita algumas oportunidade, como as ações da fabricante de autopeças WEG e da rede de farmácias Raia Drogasil – para ele, as “melhores do mundo em seus setores”.


Outro papel que tem na carteira há anos é a B3 por ser uma ação que se beneficia da volatilidade dos mercados. Por fim, cita a empresa de alimentos M. Dias Branco. “O Brasil apresenta belas oportunidades de investimento, só que gostaria que tivesse mais. Pelo PIB, deveria ser um
dos mercados com mais companhias listadas no mundo”, afirma.


A gestora Versa foi outra que se destacou no semestre com o fundo Versa Long Biased FIM, um dos mais voláteis do mercado e que entregou 41,23% de rentabilidade no semestre. Porém, se não fossem as posições vendidas e proteções, o fundo poderia ter se dado muito mal na crise. A carteira chegou a marcar uma volatilidade de 180% e a desvalorização da cota levou a uma queda do patrimônio de R$ 300 milhões para R$ 100 milhões – o fundo já se recuperou e hoje reúne R$ 350 milhões em ativos.

A estratégia permite que ele fique 230% comprado e 130% vendido e, dependendo do cenário, o gestor pode escolher manter o fundo mais
comprado do que vendido ou neutro (zerado) em relação ao risco de mercado.


Para a Versa, o semestre pode ser dividido em dois, o pré e pós-pandemia. Antecipando que os dados do fim de 2019 não estavam tão
animadores como o esperado, diminuiu a exposição comprada do fundo, deixando-o neutro. “A exposição do fundo é calculada em beta e nós a zeramos”, afirma Luiz Fernando Alves, gestor e sócio da casa. Dessa forma, o fundo conseguiu passar incólume à turbulência.


A segunda parte do semestre foi de remontagem da carteira, com o aumento das posições compradas. Os hedges feitos com contratos
futuros de Ibovespa e S&P 500 também foram zerados e o dinheiro usado para comprar ações com potencial de se sair melhor no momento
de incerteza. O fundo, então, subiu forte.

A gestora aumentou as posições em BR Properties, que administra lajes comerciais e, mesmo tendo sido menos afetada, havia caído mais de
50% no pior momento, ficando barata. Também conseguiu comprar Marisa, um investimento que tinha pré-crise, a um preço 70% menor,
assim como voltou a investir em Locamérica.


Elevou ainda a exposição em Via Varejo, que tinha há muito tempo. “Não estávamos com posição grande na crise com medo dos recebíveis e das vendas fora do on-line. Mas quando vimos o trabalho de digitalização no fim do primeiro trimestre nos animamos”, conta Alves.


A gestora também comprou papéis de Bradesco, Itaú e Banco do Brasil por achar que o mercado judiou dos bancos por perspectivas ruins para a economia – tese da qual a gestora discorda. E manteve a posição num setor que está comprada há anos: construção civil, com Trisul (maior posição), Even, e Direcional. “É o mesmo pacote que carregamos na carteira há muito tempo e não aumentamos muito”, conta o sócio da gestora. Sobre as posições vendidas, Alves não quis comentar.

A Versa está otimista – é uma das casas que espera a menor queda no PIB para este ano, de 4,9%. A justificativa é que os dados de atividade estão vindo menos ruins do que se esperava, a exemplo do varejo, da produção industrial e da construção civil. “Viemos desde o meio da crise montando um portfólio otimista com Brasil. Não é hora de tirar o pé ainda”, afirma Alves.


Isso não significa, porém, que a gestora não vê riscos pela frente. Por aqui, o risco é político, de não ter reformas que garantam o sucesso do país no pós-pandemia, como a tributária e a administrativa, além das privatizações. E nos EUA, mais do que o risco de uma bolha, o gestor vê ponto de atenção na eleição presidencial de novembro.


Na Truxt, com o segundo melhor fundo long biased, com retorno de 19,22% no semestre, a combinação de proteção, timing e escolha correta dos ativos explica o bom desempenho da carteira, segundo o gestor, José Tovar. “O long biased é bastante comprado em bolsa e usamos como proteção o dólar, além de deixar o caixa em ouro dado o CDI baixo”, explica.

Tovar afirma que a equipe de gestão soube ainda fazer a migração de parte do portfólio para as ações americanas no tempo certo assim como conseguiu pegar uma boa brecha para voltar para os papéis brasileiros.

“Ações que gostamos e foram bem são Magazine Luiza, B3, Mercado Livre e Natura. Não gostamos muito de dizer sobre carteiras porque você
escreve e quando o investidor lê, já vendemos. Mas essas posições estão na carteira há bastante tempo”, diz.


Outro setor que entrou quando estava barato foi o de shopping center. Na opinião de Tovar, as empresas têm muita qualidade. Por outro lado, o gestor prefere ficar fora de aviação e hotelaria lá fora.


A Truxt entrou no segundo semestre sem mexer muito na carteira. Em termos de risco, a eleição americana está no radar, assim como a disputa entre EUA e China que não só não terminou, como pode se estender mais tempo na visão do gestor. “E tem o problema do vírus que não está resolvido. Se essa segunda onda do coronavírus se agravar, reflete no PIB para 2020”, diz.

No Brasil, o risco fiscal é o mais óbvio, já que ainda não está claro como o governo tratará da questão dos gastos públicos durante a pandemia sem descuidar das pessoas que precisam ainda de ajuda governamental para sobreviver. “Não temos como continuar com um auxílio emergencial dessa magnitude e a tentação de algo fiscal mais perigoso preocupa”, diz.