Gestores veem bom momento para a bolsa – Valor 6 de junho de 2019

Por Adriana Cotias

Qualquer “fagulha” de reativação da economia brasileira tende a levar os investidores a aumentar a alocação em ações: o ciclo é favorável, a posição técnica do mercado está mais leve e o valor das empresas listadas está aquém do justo para o padrão de juros atuais. Essa é a percepção de gestores de recursos que participaram ontem de evento sobre finanças comportamentais realizado pela butique de investimentos Brainvest.

Mesmo com o PIB baixo no primeiro trimestre – retração de 0,2% -, algumas empresas vêm surpreendendo com crescimento de receitas, da ordem de 15% a 20%, caso de Lojas Renner e Localiza, citou Bruno Garcia, executivo-chefe de investimentos da carioca Truxt Investimentos. Pelas suas contas, se tudo correr conforme o script – a reforma da Previdência passar e a atividade ganhar ritmo -, a bolsa brasileira pode ter valorização da ordem de 70% a 80% nos próximos quatro anos.

“Quando se tem um PIB projetado de 1% e as companhias mostram crescimento das vendas bem acima disso, é ganho de ‘market share’. Por isso, quando olho para a renda variável, vejo bastante ‘upside'”, comentou.

Levando-se em conta o múltiplo preço/lucro (P/L, que grosso modo dá uma ideia do prazo de retorno do investimento), ele calcula que o indicador poderia estar 15% a 20% acima dos níveis atuais, mesmo considerando-se empresas de commodities, de grande peso no Ibovespa, mas que seguem uma dinâmica diferente daquelas voltadas para a atividade doméstica.

Ao se observar o “valuation” agregado da bolsa em relação ao lucro das empresas, o P/L perto de 11 vezes, está muito
próximo da média histórica dos últimos 10 anos ou 15 anos, só que a novidade agora é que o juro real está muito mais baixo do que qualquer média usada antes, disse Hegler Horta, sócio-diretor da Kapitalo Investimentos.

“Se esse cenário [de juros baixos] se perpetuar, quando se leva em consideração que a taxa de retorno é em torno de 9% [medida pelo P/L atual], em comparação a 4% de juro real, o prêmio de risco da bolsa nunca esteve tão alto, o investidor nunca foi tão bem remunerado para estar no risco de renda variável.”

O gestor alerta, entretanto, que isso não é suficiente para a bolsa subir e que a chave para destravar valor está na expansão da economia e do lucro das empresas. Ele calcula que um incremento de 10% a 20% nos resultados das companhias é algo factível.

“O Brasil está terminando um período recessivo duro, as companhias que sobreviveram tiveram de cortar muito os custos e a queda dos juros traz benefícios para o balanço, porque a despesa cai mesmo sem redução do estoque de dívida”, disse Horta. “Agora falta a alavancagem operacional para as receitas crescerem a taxas elevadas e isso fluir para a última linha [das demonstrações financeiras].”

Garcia, da Truxt, ponderou que o lado bom da decepção com o governo na condução política nesta primeira metade do ano é que deixou o mercado mais leve em risco, com investidores institucionais locais e estrangeiros esperando o avanço nas reformas para voltar a aumentar a parcela em bolsa.

O especialista acha que a pauta da Previdência vai acabar passando no Congresso – que tomou a agenda de votações para si. A Truxt espera que a revisão das regras da aposentadoria pública traga uma economia entre R$ 600 bilhões e R$ 700 bilhões nos próximos dez anos.

Independentemente do tamanho, Garcia entende que a reforma tiraria da frente o risco de o Brasil “bater no muro” e voltar a conviver com índices inflacionários altos – e Selic idem.

“A reforma pode ser o ‘trigger’ [gatilho] para as pessoas voltarem a consumir e investir, porque traz previsibilidade para a economia”, disse. “Qualquer melhora que acontecer haverá um espaço bom para entrar, porque a condição técnica [de baixa alocação em renda variável] é boa.”

O executivo da Truxt lembrou ainda que o capital externo saiu muito machucado de outros emergentes como México, Turquia e África do Sul num passado recente e que se as coisas forem bem encaminhadas no Brasil, o país será um dos poucos do mundo a apresentar expansão. “O investidor tem bastante dinheiro no bolso, a liquidez é alta. Se o país tiver uma história positiva de crescimento, será uma joia.”

Do lado externo, enquanto alguns riscos macroeconômicos estão bem mapeados, a guerra comercial liderada por Estados Unidos e China, pode ter um desfecho ainda não mensurável, alertou Artur Wichmann, gestor de estratégia de ações globais da Verde Asset Management.

“A desagregação das cadeias de produção que existem desde o pós-guerra pode gerar um impacto econômico grave, caso venha a acontecer. É o que mais nos preocupa no macro lá fora”, afirmou.

Há riscos locais e externos no horizonte, mas o ponto do ciclo econômico para o Brasil hoje é melhor em relação a outros países, disse Horta, da Kapitalo. “Estamos num momento saindo da recessão e no começo do período de expansão. O Brasil pode crescer acima do PIB potencial por alguns anos sem gerar inflação, uma situação normalmente benéfica para investimentos em renda variável.”

Garcia, da Truxt, só se incomoda com qual vai ser a nova pernada crescimento para o país mais à frente, já que os
investimentos em educação não se mostram como prioridade e isso vai se refletir na produtividade.