Mercado vê chance de elevação da Selic neste ano – Valor , 06 de outubro de 2020

Cálculos da Renascença mostram que a curva de juros precifica 40% de chance de um aumento de 0,25 ponto na reunião deste mês
Por Victor Rezende — De São Paulo

A adequação do Renda Cidadã ao teto de gastos, prometida pelo senador Marcio Bittar (MDB-AC), fez os juros futuros terem um dia de queda significativa ontem. No entanto, isso não foi suficiente para que a curva de juros deixasse de colocar nos preços elevações na Selic já a partir deste ano. Para o fim de 2021, a curva aponta para um juro básico em torno de 5%, como reflexo dos riscos ao teto de gastos e ao atual regime fiscal, que ganharam ainda mais força nos últimos dias.

Cálculos da Renascença mostram que a curva precifica 40% de chance de um aumento de 0,25 ponto percentual na Selic já na reunião deste mês do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central. Além disso, os preços indicam quase 90% de possibilidade de uma elevação do juro básico em dezembro, também de 0,25 ponto. Para o fim de 2021, a curva aponta para uma Selic um pouco acima de 5%.

O mercado tem visto probabilidade crescente de um cenário fiscalmente pior, que teria como consequência a necessidade de reversão da política monetária mais cedo do que se espera, avalia o economista-chefe da Truxt Investimentos, Arthur Carvalho. “O que está nos preços do mercado agora é uma ponderação de diferentes cenários: ou vamos ficar com uma Selic baixa por muito tempo ou vamos ter uma Selic muito mais alta, talvez até maior do que os números mostrados na curva, de 7%, 8%.”

De acordo com Carvalho, as restrições impostas pelo presidente Jair Bolsonaro a formas de financiamento para o Renda Cidadã deixam o caminho ainda mais difícil para as contas públicas. “Cumprir o teto, implementar o Renda Cidadã e estar dentro das restrições que o presidente deu são três coisas que não cabem no mesmo cenário. Ou o presidente cede de alguma forma, ou o teto não é cumprido, ou não vamos ter Renda Cidadã”, diz Carvalho. É a incompatibilidade desses fatores, segundo o economista, que tem gerado cada vez mais ruídos e aumentado a demanda por prêmio na curva de juros.

O cenário básico da Truxt contempla alguma flexibilização do teto de gastos ou a adoção de alguma contabilidade criativa para comportar o Renda Cidadã, segundo Carvalho. Caso seu cenário esteja correto, o economista acredita na chance de uma normalização monetária antes do esperado.

Para ele, em um cenário com o teto mantido intacto, a Selic terminaria o próximo ano em 3%. No entanto, com alguma flexibilização fiscal em mente, “pode ser que o BC tenha de fazer alguma coisa antes e a mais nos juros”, diz. “Se a questão fiscal se materializar com percepção de que o teto foi rompido, pode haver altas de juros mais cedo, até porque o próprio BC tem deixado bem claro que reagiria a uma mudança no arcabouço fiscal.”

Na semana passada, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, indicou, em evento fechado à imprensa promovido pelo J.P. Morgan, que, se houver uma mudança na perspectiva da política fiscal, a prescrição futura (“forward guidance”) adotado pela autoridade monetária não teria mais validade.

O recado do BC “acendeu a luz amarela no mercado” quanto ao risco de elevações na Selic mais cedo do que se esperava, diz Marcos Mollica, gestor do Opportunity. “Não acreditamos nesse cenário, mas temos que admitir que o risco aumentou. O resumo da situação é que tudo está ligado ao risco fiscal, inclusive a política monetária. E, em um ambiente em que o fiscal desande de vez e o teto de gastos pare de funcionar, aí sim o BC eventualmente elevaria os juros.”

Mollica diz, ainda, que o impasse do governo em torno do novo programa e a falta de sinais concretos quanto ao rumo das contas públicas têm promovido um aperto nas condições financeiras via juros mais altos. “O governo não abre mão do Renda Cidadã, mas inviabilizou as discussões sobre fontes viáveis de financiamento. O mercado viu o risco sobre o teto aumentar e começou a precificar que alguma saída extra-teto pode ser dada para esse programa”, diz Mollica.

Assim, embora os juros futuros tenham encerrado o pregão de ontem em queda firme, é possível observar que o nível das taxas permanece elevado. A taxa do DI para janeiro de 2022 caiu de 3,48% para 3,27% e a do DI para janeiro de 2027 cedeu de 7,29% para 7,26%.

Apesar da queda firme, a sessão de ontem chegou a contemplar aumento nos juros futuros durante a manhã. Segundo o economista-chefe do Haitong, Flavio Serrano, a curva chegou a indicar 60% de chance de uma elevação na Selic no fim deste mês. “Os ativos de risco sofreram bastante e o que está por trás quase que única e exclusivamente é a preocupação fiscal. Com a questão do Renda Cidadã e das fontes de financiamento esquisitas que estão tentando arrumar, houve esse aumento relevante de prêmio nos
juros”, diz Serrano.

Também a inclinação da curva de juros permanece em níveis bastante elevados, ou seja, a diferença entre os juros de longo e os de curto prazo se mantém alta. Levantamento do J.P. Morgan que leva em consideração as curvas de juros de 19 países emergentes mostra que a curva brasileira tem a segunda maior inclinação entre todas e fica atrás, somente, da África do Sul. No fim da semana passada, a diferença entre as taxas de dez anos e de três meses no Brasil era de 5,55 pontos percentuais, enquanto o spread entre os rendimentos na África do Sul ficou em 6,05 pontos.