Palavra do gestor – As perspectivas para a política monetária e o risco cambial – Valor, 22 de maio de 2018

Por André Duarte

Na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), o Banco Central encerrou um dos ciclos mais longos de flexibilização monetária desde o início do sistema de metas de inflação. No passado, em todos os casos, ciclos de afrouxamento monetário tiveram o início de sua reversão em menos de um ano, e assim, uma dúvida legítima é quão longo será o período de estabilidade dos juros.

Desta vez, mesmo frente à forte depreciação do real, existem bons argumentos que apontam na direção de um período extenso.

Não é difícil constatar que a economia possui elevada capacidade ociosa de fatores de produção. Uma forma de sintetizar a ociosidade na economia é através do cálculo do chamado hiato do produto, que mede a diferença entre o nível atual do PIB e o nível que poderia ser atingido caso os fatores de produção fossem plenamente empregados.

Apesar das incertezas envolvidas, calculamos que o hiato do produto se encontra em 5,5%, enquanto o próprio produto potencial expande-se a um ritmo de 2% ao ano. Assim sendo, estando correta a previsão da pesquisa Focus de crescimento de 2,5% e 3,0% em 2018 e 2019, respectivamente, a ociosidade continuará muito elevada.

Outro argumento é o impacto da reforma trabalhista. A reforma provavelmente permitirá uma taxa de desemprego mais baixa no longo prazo, havendo então maior espaço para crescimento não inflacionário no curto prazo. Por exemplo, em países com legislações trabalhistas mais flexíveis, como o Reino Unido, EUA e Austrália, a taxa de desemprego média nos últimos 20 anos foi de 5,9%, 5,8% e 5,6%, respectivamente.

Já em países com rígida legislação, como a Espanha, Itália e França, naquele período, a taxa foi de 15,9%, 9,4% e 9%, respectivamente. A Alemanha, país que introduziu entre 2003 e 2005 uma audaciosa e no tempo controversa reforma trabalhista, observou a taxa cair de 10% para 3,4% e, mesmo com baixíssimas taxas de juros, não há pressões inflacionárias relevantes até hoje.

A reorientação da política econômica também deve contribuir para um período extenso de estabilidade dos juros. Na esfera creditícia, nos últimos anos, o Estado brasileiro se utilizou de diversos instrumentos para direcionar crédito subsidiado para setores que julgasse adequado. A consequência foi o chamado efeito “meia entrada”, com a criação de um mercado de crédito dual no qual devedores escolhidos pelo rei obtêm empréstimos a taxas deprimidas, enquanto os demais, a taxas elevadas.

Neste quadro, a fim de equilibrar a oferta e a demanda de poupança escassa, a Selic precisou ficar mais elevada. Com a nova TLP e a menor participação esperada dos bancos públicos, esse efeito deve ser atenuado. Na mesma direção, o crescimento do Estado nas últimas décadas também pressionou os juros, o que deve ser parcialmente revertido em decorrência da emenda constitucional que estabeleceu um teto para o crescimento dos gastos públicos.

Ainda, não se deve perder de vista a importância da condução adequada da política monetária. Se, em um primeiro momento, críticas foram tecidas pela demora do Copom de começar o ciclo de flexibilização, bem como pela sua timidez inicial, os benefícios desta estratégia estão cada vez mais evidentes.

Com inflação baixa e difusa e expectativas de inflação ancoradas, a credibilidade recuperada da instituição apenas reforça que os juros estão baixos não por uma aposta, mas sim pelos fundamentos conjunturais e estruturais.

Neste quadro, a conjuntura econômica permite que o Banco Central mantenha a política monetária inalterada frente a um choque de oferta substancial. Elevada ociosidade, crescimento econômico modesto, reformas estruturais, baixo nível de inflação e alta credibilidade da autoridade monetária são elementos que sugerem que os efeitos de segunda ordem nos demais preços da economia devem ser bastante limitados.

Na última reunião do Copom, com juros constantes em 6,5% ao ano e dólar a R$ 3,60, o Banco Central projetou a inflação em 4,0% para 2018 e 2019, indicando inflação abaixo da meta em ambos os casos. Adicionalmente, a instituição estima em cerca de 80 pontos-base o efeito na variação anual do IPCA no primeiro ano de uma desvalorização cambial de 10% e perto de zero no segundo ano.

Dado os elementos supracitados, há risco para baixo nesta estimativa. Assim, mesmo que o câmbio deprecie de forma ainda mais relevante, chegando, por exemplo, a R$ 4,00, segue havendo espaço para acomodar o choque externo.

Desta forma, salvo um cenário adverso nas eleições que indique a não continuidade das reformas necessárias, entendemos que o período de juros estáveis deverá ser longo, provavelmente perdurando até o fim de 2019.

Ademais, visto que a decisão de manter a política monetária inalterada baseou-se em uma ponderação entre o cenário base benigno e a deterioração do balanço de riscos para a inflação, com o comitê pendendo em favor deste, em caso de melhora do ambiente externo e após as eleições, não é possível descartar até mesmo novos cortes na Selic.

André Duarte é economista da Truxt Investimentos